quinta-feira, 25 de março de 2010

Médicos uruguayos en Portugal - Reportaje en DN 20-03-2010

Os imigrantes que tratam da nossa saúde





in: http://dn.sapo.pt/inicio/portugal/interior.aspx?content_id=1523539


20/03/2010

Imigrantes, ajudam a tapar as falhas do sistema de saúde português. Vieram europeus, da UE ou do Leste, mas também africanos e latino-americanos. Dizem que encontraram um país triste, onde os doentes não estão habituados a ter informação nem atenção





"Vêm falar com o Fernando e o André? Olha quem!" Olha quem significa "sempre dispostos para a brincadeira", explica-nos quem atende as chamadas de urgência na De- legação Regional do Algarve do INEM, em Faro, pouco habituados à informalidade dos médicos uruguaios. E tratam-nos pelo primeiro nome, em vez dos apelidos, Rodríguez e Villarreal.



Linhas telefónicas, chamadas a cair, informações dadas e informações pedidas, mapa, equipamentos médicos, coletes verdes e pretos. No meio, uma mesa para as refeições e ao ritmo dos toques dos telefones. 24 horas por dia, com mais ou menos agitação.



É verdade que os médicos uruguaios são mais novos que o habitual e que o ambiente de trabalho é mais informal do que noutras unidades de saúde. Mas Fernando e André marcam a diferença pela proximidade e empatia que estabelecem com as pessoas, independentemente das habilitações literárias. E no Uruguai o médico não está no topo da escala social.



"Entra quem quer na faculdade de medicina, o difícil é concluir o curso. Mas existem muitos médicos e, comparando com outras profissões, não ganham muito", confirmam os próprios. Um médico de saúde pública recebe 450 euros mensais, sensivelmente o dobro do ordenado mínimo nacional e menos de um quarto do que ganham em Portugal.



Fernando Rodríguez e André Villarreal são de Montevideu e estão no INEM desde Julho de 2008, depois de uma selecção que durou sete meses. "Eram para vir 100/120, mas só passaram 14 [dez homens e quatro mulheres]. Fizemos três provas eliminatórias, além da de português. Foi muito difícil e extenso", contam. Um processo idêntico ao que trouxe a Portugal 44 cubanos. A diferença é que parte do ordenado destes últimos vai para Cuba e não falam com jornalistas (ver texto).



Imigram com contratos anuais e renováveis por mais dois. "Contrato ao pé da palavra", explica Fernando. Frase traduzida do castelhano e que significa "a palavra vale tanto quanto uma assinatura". E vai cumprir o combinado até ao fim, não mais. "Fico só três anos, por causa da família, dos afectos."



Fala da família alargada, já que trouxe a mulher e o filho, tal como o colega André. Mas este tem a mulher, também médica, a iniciar a especialidade em Portugal. "Não sei quando regresso!", diz.



André atende as chamadas, enquanto Fernando avança para a viatura médica. E vice-versa. A viatura, e não uma viatura, porque é "única no País a não depender directamente de um hospital". É o CODU (Centro de Orientação de Doentes Urgentes) Faro, uma conquista dos médicos estrangeiros.



"Era assim que estávamos habituados a trabalhar. Queremos melhorar e evoluir para o tratamento pré-hospitalar. O funcionamento pré-hospitalar é totalmente diferente no Uruguai. Aqui as ambulâncias têm tripulantes e bombeiros, lá têm sempre um médico. E há muitas empresas com o serviço de ambulâncias e não é caro."



Também não estavam habituados a ver casas só alugadas no Verão e à falta de vaga nas creches, dificuldades que encontraram cá . "O meu filho tem cinco anos e ficou parado um ano. Nunca pensei que não existissem vagas nas escolas. No Uruguai há sempre vagas e, se não há, inventam-se", indigna-se Fernando. O filho de André ainda não fez dois anos.



André Villarreal parece brasileiro, a mãe nasceu no Brasil e é professora de Português. E Fernando já começa muitas das frases por "oh pá!", com o mesmo "à-vontade" com que diz "mais grande".



O Centro Regional do Algarve é dirigido por um alemão, Richard Glied, 46 anos, dos quais seis no INEM. É um dos 130 alemães registados na Ordem dos Médicos, a segunda nacionalidade da União Europeia com mais clínicos no País, depois dos espanhóis. Chegou a Portugal em 1987, a convite de um hospital privado e depois de passar muitas férias no País. É cidadão comunitários e não precisou de fazer equivalências.



"O mais difícil foi aprender a língua", lembra. Agora, o mais difícil é conciliar a actividade profissional com a familiar. A mulher e os três filhos vivem em Pinhal Novo, Almada, onde trabalhou no início.



"Donde é? Está a gostar?" Perguntas que, invariavelmente, Olga Grunina ouvia quando entrava um pai com o filho pela mão. É pediatra, mas há seis anos, quando pôde começar a exercer a profissão em Portugal, o sotaque denunciava outras origens. Nem sabia o que inventar para saltar a introdução e começar a observar a criança. Aperfeiçoou a língua e as perguntas foram rareando. Hoje, já lhe custa mais falar russo do que português.



"É estrangeira? Nem reparei. O que interessa é que o meu filho seja bem tratado", diz Vera Gomes, 29 anos, mais preocupada com a bronquiolite do rebento. É o David, tem três meses e há dois dias que não pára de tossir.



Olga fala com o bebé devagarinho, brinca com a chupeta. Aconselha a mãe: "Não insista com a comida. Vá colocando o soro. Faça o tratamento durante 24 horas e, na segunda-feira, se tiver farfalheira, vá ao médico assistente."



São urgências de pediatria privadas, no Hospital CUF Descobertas, em Lisboa. Os médicos usam batas com bonecos e as marquesas são bonecos animados. É onde Olga Grunina trabalha às quartas e sextas-feiras, 15 horas por dia. E nos fins-de-semana que lhe pedem. O urso Winnie The Pooh na bata é um pretexto para mais facilmente ganhar a confiança dos pequeninos. E resulta. "As crianças reagem melhor... temos batas diferentes", diz.



A pediatra trabalhou em hospitais públicos ao mesmo tempo que fazia substituições no Hospital da CUF, até ser convidada para ser "médica residente". Dá, também, consultas numa clínica na Pontinha, Amadora, onde mora.



Olga tem passaporte da Ucrânia, mas costuma dizer que é soviética. "Nasci na ex-URSS, em Dnipropetrovsk (perto de Kiev), só depois é que se tornou na Ucrânia. A minha língua é o russo", justifica. Língua que teve de substituir pelo português. "Foi o que custou mais. Dizem que os ucranianos aprendem facilmente, nem todos!"



Olga veio para Portugal em 2001, atrás do marido, que aqui trabalhava há um ano na construção civil. Não imaginou que voltaria a exercer a profissão que tivera durante 20 anos na Ucrânia. "Nem sabia que tinham falta de médicos!" Começou por tomar conta de um menino autista, até que um artigo de jornal lhe mudou a vida.



"Li no Diário de Notícias que a Gulbenkian ia ter um curso para médicos imigrantes e candidatei-me. Comecei em 2003 e terminei em 2004. Passei a prova na Universidade Nova, precisei de muitos papéis... faltava sempre qualquer coisa. Mas lá consegui juntar tudo e com as pastilhas [carimbos]. Tive sorte, porque muitos colegas não conseguiram."



No início, chegou a fazer três bancos de 24 horas por semana. Como é possível? "Estava cheia de boa vontade. Queria trabalhar e ganhar experiência", responde. E aprendeu que "até amanhã ou é para amanhã" não quer dizer necessariamente o dia seguinte. Mas ainda sente dificuldade em explicar que tem frio. "Claro que temos frio, só que sabemos lidar com o frio!", diz pela enésima vez.



"Abre, fecha um pouquinho! Doeu? Não doeu! Descansa um pouquinho. Muitíssimo cuidado com o provisório. Pode bochechar e la- var devagarinho. Nada quentinho. Obrigadíssimo!"



Assim fala Aline Figueiredo, cirurgiã dentista, enquanto trata da " paciente". Com diminutivos e relatando os passos da cirurgia a que se submete Romana Silva, 28 anos, gestora de cobranças. "Tinha medo e só ia ao dentista quando tinha dores. Gostei do trabalho destes médicos e são mais atenciosos, mais carinhosos, começa logo na língua", esclarece a própria. Romana mora na Moita e vai a Almada para ser vista no consultório de Aline, o Centro Médico Rhema.



A dentista explica os tratamentos e estranha que os doentes cheguem ao consultório sem saber o que o médico fez. Adoni Zedeque, o marido, especialista em implantes concorda: "Aqui há muita frieza. Há uma grande distância entre o médico e o doente. Os pacientes não têm informação sobre os tratamentos, não sabem se o dente foi desvitalizado. O médico brasileiro explica. O dente não é só um dente, faz parte do organismo".



Também encontram diferenças entre os doentes. Aline explica: "O brasileiro preocupa-se mais com a saúde oral, mesmo quem não tem condições. O português vem resolver problemas pontuais. Estoirou um abcesso, toma um antibiótico, o abcesso vai embora, já não volta. E a primeira coisa que perguntam é o preço!"



Aline e Adoni deixaram Fortaleza, no Nordeste do Brasil, há três anos. São os últimos a vir depois de uma grande vaga de dentistas brasileiros que chegou a Portugal na década de 90. Estão registados nas ordens 1124 médicos brasileiros e 503 são dentistas ( 44,8%9).



Os dois dentistas completaram as horas que lhe faltavam para as 4500 exigidas em Portugal numa faculdade privada, apesar de já exercerem a actividade no Brasil. Adoni Figueiredo tirou o curso há 16 anos e só por questões burocráticas ainda não se inscreveu na Ordem dos Dentistas Portugueses.



Moram em Almada e durante dois anos tiveram aulas no Porto. "Saíamos na quinta-feira às 04.00 para estar de manhã no Hospital de Guimarães, à tarde na Universidade em Gandra e na sexta de manhã no estágio comunitário. Só Deus sabe como sobrevivemos."



Têm um filho, que fica com a avó sempre que os pais não podem. Também o avô veio para Portugal. É pastor, a família é devota.



A Sorriso Saudável, em Lisboa, é outro local de trabalho do casal. Graciete Korte, proprietária, está a concluir o processo de equivalências. Todos os médicos da clínica são brasileiros . "As pessoas preferem-nos", justifica. E faz uma caracterização da clientela. "O português (70% dos utentes) marca a consulta e não falta. O brasileiro confirma a consulta e falta."



Concordam que nem todos os dentistas brasileiros são bons e sérios. E também não são tão barateiros como se pensa. "Tudo o que é barato não é bom", diz Aline.



"Queria dar só uma palavrinha à doutora." O pedido é logo compreendido pela funcionária da extensão de Saúde Conceição de Faro. A doente fala mesmo no átrio com a doutora, Dyna Torrado. Sem formalismos. É assim que a médica espanhola vê a profissão. Chegou ao Algarve em 2001.



"É muito atenciosa. Fala com a gente!" "É espanhola? Ouvi dizer que sim", comentam os utentes.



Todos se conhecem e cumprimentam. "Estás boa? Não deves estar muito boa... estás aqui!" "Não sou eu, é a minha mãe, vem mostrar as análises", responde Maria de Fátima, 60 anos. A mãe é Maria da Boa Hora, 80 anos.



Maria da Boa Hora está nervosa, o que se nota logo na tensão. "A tensão está um pouco alta e o colesterol também, mas o que me preocupa mais é a tensão. Tem de ir sempre à farmácia para a medir, vou dar-lhe um papel para apontar .E a comida não deve ter muito sal", explica a "doutora Dyna".



A doente justifica-se ... que a comida sem sal "não sabe bem", que a "vista é que [lhe] faz fé"... A médica indica os melhores alimentos. "A alimentação é fundamental, tem de ter cuidado. Não lhe quero receitar muitos medicamentos."



Dyna Torrado é especialista em medicina familiar. Veio para Portugal à procura de uma estabilidade laboral que não encontrava em Espanha. Ela, o marido e muitos outros colegas. Instalaram-se nas zonas fronteiriças para colmatar a falta de médicos portugueses. Entretanto, começaram a regressar ao seu país. Chegaram a ser 2800, agora são cerca de 2000.



A médica é de Sevilha, e o marido veio primeiro. "Apesar de termos tirado a especialidade em Espanha, país da UE, estivemos um ano para conseguir a inscrição na Ordem dos Médicos", explica.



Passou por várias unidades, até chegar a Conceição de Faro, uma aldeia a oito quilómetros da capital algarvia, com 6500 habitantes , metade dos quais são idosos.



Em Portugal, impressionou-a o excesso de burocracia, a dificuldade em pôr em prática ideias e o índice de analfabetismo dos utentes. Estranhou que a população visse o médico como um Deus e a quem levam produtos agrícolas e criação. "As pessoas são fantásticas, não se queixam, antes pelo contrário. Estão sempre tristes e já me disseram que tenho sempre um sorriso." Em Espanha também lhe levavam presentes, só que não via tanta subserviência. E os ordenados são idênticos.



"Em Espanha, os utentes têm todos os direitos e os médicos ne-nhuns. Aqui, os médicos têm todos os direitos e os utentes nenhuns. As coisas estão a mudar, mas tem de haver um meio-termo", resume. Do que sente mais falta é do convívio. "Acabávamos o trabalho e íamos a um bar. As pessoas no Algarve são muito fechadas. E os meus colegas do Norte também se queixam do mesmo", lamenta.



Humberto Paixão é angolano, a nacionalidade de 161 profissionais inscritos na Ordem dos Médicos, sendo que apenas 44 tiraram o curso em Portugal, o que é raro. Os oriundos de um país africano de língua oficial portuguesa vêm para Portugal para se formar e acabam por ficar.



Humberto Paixão iniciou os estudos em Angola, mas veio a guerra civil e acabou por ser mobilizado para o exército. Quando voltou aos estudos, concorreu a uma bolsa para Sampetersburgo, Rússia, onde concluiu o curso.



É médico militar e especializou--se em ortopedia, mas os hospitais angolanos não dão a "titulação". Por isso, concorreu a uma nova bolsa para estudar em Portugal, processo longo e com alguns percalços pelo meio. Emigrou com a mulher e quatro filhos, hoje adultos. "Não estou arrependido, tive a formação adequada", sublinha. Coordena o serviço de Urgência de Ortopedia do Hospital Santos Silva, em Vila Nova de Gaia. Pensa regressar com a família, incluindo os genros portugueses, a Angola.



Uma das coisas que estranhou foi a linguagem no Norte. E a atitude dos doentes. "Em Angola são carinhosos e mais respeitadores, aqui reclamam muito e, às vezes, com agressividade", explica.



E filosofa: "A imigração é uma questão de adaptação." Adaptação que divide em três fases: o conhecimento, o choque entre a cultura que se traz e a que se encontra e a harmonia das duas culturas. As duas primeiras são de conflito e a terceira é de aceitação, em que se encontra. Mas avisa: "Aceitação não significa que tenha de ser igual."

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